O recente episódio com as
Bibliotecas Parques (BP) me fez pensar a respeito do momento crítico em que
estamos vivendo.
Depois de ver um post de um amigo no Facebook,
com as fotos do protesto à frente da BP da Presidente Vargas, e a menção de
apoio ao pessoal, percebi que nem tudo está perdido. A crise colocou a
biblioteca no centro da cena, mesmo que por instantes (que já já será apagado
por outras notícias novidadeiras). Vozes de apoio, o que me pareceu uma ode à biblioteca.
Afinal, o que é uma biblioteca?
Manifestação em frente à Biblioteca Parque do Centro do Rio:. Fotos: Cláudio Luiz Ribeiro |
Para os dicionários (Aurélio,
Caldas Aulete, da Porto Editora), existem três acepções básicas: 1) uma coleção
de livros para consultas e estudos; 2) um lugar onde essa coleção se encontra;
e 3) uma estante ou móvel onde se guardam os livros. Percebo que essas
definições não dão conta de explicar do que se trata. Não sou bibliotecário,
falo apenas como mero usuário, um usuário que frequentou e frequenta
bibliotecas e, por acaso ou destino, acabou indo trabalhar num núcleo
administrativo de uma rede de bibliotecas de uma universidade pública.
Uma biblioteca é muito mais do
que aquilo que qualquer definição possa nos apresentar. Existem quatro aspectos
mínimos que devemos observar ao pensarmos em defini-la, igualmente importantes,
que não devem ser desconsiderados. O primeiro é o físico: aquele lugar onde
estão reunidas obras publicadas, ou manuscritos (sim, ainda é esse o nome que
se dá às obras não publicadas); onde podemos consultar, escolher, cheirar,
manusear os livros impressos e outros documentos; um lugar de encontro, troca
de ideias, ou de aquisição de ideias novas.
Um segundo aspecto é o trabalho
do/a bibliotecário/a. Um trabalho invisível para nós, meros usuários. Biblioteconomia
é uma ciência que trata do arranjo e da organização, que administra a biblioteca,
mas não só. A localização das obras interna e externamente, a aquisição de
acervos, os registros das informações, referências, classificações, tudo isso é
um trabalho muito complexo, pois é necessário relacionar obras, informações,
assuntos localmente e nos sistemas que permitem a busca em/de outras
bibliotecas; são enlaces imprescindíveis para uma pesquisa, essencial para a
aprendizagem. Sem isso, estaríamos perdidos no meio dos livros e poderíamos nos
afogar num mar de textos desconexos. A chamada Tecnologia da Informação, as
bases de dados de pesquisa, as novas formas de gerenciamento de conteúdo
dependem desse profissional, que faz esse trabalho que os usuários não sabem
que existe. Sem contar com o auxílio luxuoso que nos dão no momento em que
precisamos buscar conteúdos, ampliar nossa pesquisa, encontrar novos caminhos.
O terceiro aspecto é o que o
usuário mais percebe. Por mais que a Internet já tenha modificado certas
práticas de pesquisa e estudo, biblioteca é o lugar onde está o conteúdo para o
conhecimento. Falo do conteúdo organizado, onde um fio leva a outro, desvelando
o novelo que desenrola, mas mantém a linha condutora de ponta a ponta. Por mais
que se encontre conteúdos na Internet (onde existem excelentes partes de
bibliotecas, como eBooks, dicionários online, artigos acadêmicos), é na
biblioteca que está a melhor organização, a separação por assunto ou área, onde
se pode encontrar livros lado a lado, folheá-los e decidir quais servirão para
a pesquisa. A Internet facilitou muito, permitiu encontrar livros que jamais
imaginaríamos encontrar, que precisaríamos visitar várias bibliotecas para
consegui-los, mas o que seria da Internet se esses livros não tivessem passado
por uma organização e preenchimento das informações necessárias que permitem
aos mecanismos de busca acessá-los? Mesmo buscando livros avulsos online, o
papel da biblioteconomia se faz presente. Vale dizer que conteúdos organizados,
referenciáveis, recuperáveis em busca online, dependem da biblioteconomia.
O quarto aspecto é o das práticas
sociais e discursivas. Livros e bibliotecas são queimados ao longo da história,
seja por questões religiosas, seja por motivações políticas. Uma biblioteca bem
servida pode representar uma ameaça a governos ditadores, ou grupos extremistas,
mas são sempre libertárias, pois nos tiram da ignorância e nos inserem num mundo
novo. A biblioteca está inserida nas práticas civilizatórias, nas culturas, na
nossa vida, seja qual for a forma. Mesmo que nunca se tenha entrado em uma, é
preciso sabermos que ela alimentou as disciplinas, as escolas, as
universidades; ela permitiu os ensinamentos, os letramentos, facilitou o
acesso, orientou e disponibilizou conteúdos, correntes teóricas, visões de
mundo. Se uma cidade é construída, se uma doença é curada, se um celular foi
inventado, muito se deve à biblioteca, que guardou e cuidou dos manuais,
compêndios, projetos, relatórios e coleções de livros que registram os relatos
e procedimentos para gerações futuras.
Por hoje, fico feliz em saber que
diante do descaso com ela, de uma ameaça, ainda conseguimos ver pessoas
reconhecerem a sua importância.
Enviado por Elir Ferrari
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Os comentários feitos no Blog da Rede Sirius são passíveis de aprovação. Comentários sem identificação ou de conteúdo ofensivo não serão autorizados.