sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Ode à Biblioteca

O recente episódio com as Bibliotecas Parques (BP) me fez pensar a respeito do momento crítico em que estamos vivendo.

Depois de ver um post de um amigo no Facebook, com as fotos do protesto à frente da BP da Presidente Vargas, e a menção de apoio ao pessoal, percebi que nem tudo está perdido. A crise colocou a biblioteca no centro da cena, mesmo que por instantes (que já já será apagado por outras notícias novidadeiras). Vozes de apoio, o que me pareceu uma ode à biblioteca. Afinal, o que é uma biblioteca?


Manifestação em frente à Biblioteca Parque do Centro do Rio:.
Fotos: Cláudio Luiz Ribeiro
Para os dicionários (Aurélio, Caldas Aulete, da Porto Editora), existem três acepções básicas: 1) uma coleção de livros para consultas e estudos; 2) um lugar onde essa coleção se encontra; e 3) uma estante ou móvel onde se guardam os livros. Percebo que essas definições não dão conta de explicar do que se trata. Não sou bibliotecário, falo apenas como mero usuário, um usuário que frequentou e frequenta bibliotecas e, por acaso ou destino, acabou indo trabalhar num núcleo administrativo de uma rede de bibliotecas de uma universidade pública.

Uma biblioteca é muito mais do que aquilo que qualquer definição possa nos apresentar. Existem quatro aspectos mínimos que devemos observar ao pensarmos em defini-la, igualmente importantes, que não devem ser desconsiderados. O primeiro é o físico: aquele lugar onde estão reunidas obras publicadas, ou manuscritos (sim, ainda é esse o nome que se dá às obras não publicadas); onde podemos consultar, escolher, cheirar, manusear os livros impressos e outros documentos; um lugar de encontro, troca de ideias, ou de aquisição de ideias novas.

Um segundo aspecto é o trabalho do/a bibliotecário/a. Um trabalho invisível para nós, meros usuários. Biblioteconomia é uma ciência que trata do arranjo e da organização, que administra a biblioteca, mas não só. A localização das obras interna e externamente, a aquisição de acervos, os registros das informações, referências, classificações, tudo isso é um trabalho muito complexo, pois é necessário relacionar obras, informações, assuntos localmente e nos sistemas que permitem a busca em/de outras bibliotecas; são enlaces imprescindíveis para uma pesquisa, essencial para a aprendizagem. Sem isso, estaríamos perdidos no meio dos livros e poderíamos nos afogar num mar de textos desconexos. A chamada Tecnologia da Informação, as bases de dados de pesquisa, as novas formas de gerenciamento de conteúdo dependem desse profissional, que faz esse trabalho que os usuários não sabem que existe. Sem contar com o auxílio luxuoso que nos dão no momento em que precisamos buscar conteúdos, ampliar nossa pesquisa, encontrar novos caminhos.

O terceiro aspecto é o que o usuário mais percebe. Por mais que a Internet já tenha modificado certas práticas de pesquisa e estudo, biblioteca é o lugar onde está o conteúdo para o conhecimento. Falo do conteúdo organizado, onde um fio leva a outro, desvelando o novelo que desenrola, mas mantém a linha condutora de ponta a ponta. Por mais que se encontre conteúdos na Internet (onde existem excelentes partes de bibliotecas, como eBooks, dicionários online, artigos acadêmicos), é na biblioteca que está a melhor organização, a separação por assunto ou área, onde se pode encontrar livros lado a lado, folheá-los e decidir quais servirão para a pesquisa. A Internet facilitou muito, permitiu encontrar livros que jamais imaginaríamos encontrar, que precisaríamos visitar várias bibliotecas para consegui-los, mas o que seria da Internet se esses livros não tivessem passado por uma organização e preenchimento das informações necessárias que permitem aos mecanismos de busca acessá-los? Mesmo buscando livros avulsos online, o papel da biblioteconomia se faz presente. Vale dizer que conteúdos organizados, referenciáveis, recuperáveis em busca online, dependem da biblioteconomia.

O quarto aspecto é o das práticas sociais e discursivas. Livros e bibliotecas são queimados ao longo da história, seja por questões religiosas, seja por motivações políticas. Uma biblioteca bem servida pode representar uma ameaça a governos ditadores, ou grupos extremistas, mas são sempre libertárias, pois nos tiram da ignorância e nos inserem num mundo novo. A biblioteca está inserida nas práticas civilizatórias, nas culturas, na nossa vida, seja qual for a forma. Mesmo que nunca se tenha entrado em uma, é preciso sabermos que ela alimentou as disciplinas, as escolas, as universidades; ela permitiu os ensinamentos, os letramentos, facilitou o acesso, orientou e disponibilizou conteúdos, correntes teóricas, visões de mundo. Se uma cidade é construída, se uma doença é curada, se um celular foi inventado, muito se deve à biblioteca, que guardou e cuidou dos manuais, compêndios, projetos, relatórios e coleções de livros que registram os relatos e procedimentos para gerações futuras.

Por hoje, fico feliz em saber que diante do descaso com ela, de uma ameaça, ainda conseguimos ver pessoas reconhecerem a sua importância.

Enviado por Elir Ferrari

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Os comentários feitos no Blog da Rede Sirius são passíveis de aprovação. Comentários sem identificação ou de conteúdo ofensivo não serão autorizados.