quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Soprano tísica, por Luiz Fernando Veríssimo

Em algum momento da atual Bienal do Livro de São Paulo se falará da iminente morte do livro e as opiniões se dividirão.

Alguns dirão que o livro nunca acabará, e aí estão as bienais, as feiras e as flips para provar isto, e outros dirão que o livro caminha para a obsolescência e logo estaremos lendo tudo em tabletes, Ipodes, Ipedes e E-tceteras. Não se chegará a nenhuma conclusão e a conversa será transferida para a próxima bienal.

O escritor americano John Barth não duvida que o livro como nós o conhecemos e amamos acabará, mas nos propõe dois consolos.

O primeiro é a história do fim dos dinossauros, cuja existência foi encurtada pelo choque de um asteróide com a Terra, mas ainda viveram um milhão de anos entre o impacto do asteróide e sua extinção completa.

Neste período apareceram alguns dos seus espécimes maiores — um bom presságio para a literatura impressa, que pode reagir ao choque da literatura eletrônica produzindo suas maiores obras antes de desaparecer.

O outro consolo sugerido por Barth — um bom romancista e ensaísta com o gosto por jogos de palavras e metalinguagem — é a opera, que não só é um exemplo de anacronismo que teima em sobreviver como nos fornece outra metáfora para a insistência em viver de um condenado.

Geralmente a melhor ária de uma ópera clássica é a última, quando uma heroína, digamos, à beira da morte ainda encontra força e fôlego para cantá-la. Pensemos no livro, portanto, como uma soprano tísica que ainda nos dará boas surpresas antes do fim.

Barth também poderia ter lembrado o disco de vinil, cuja morte — como se vê, hoje, nas lojas de disco — foi decretada prematuramente.

Muita gente está abandonando o CD e voltando para o vinil, o equivalente a largar o tablete e voltar para o livro. E a morte do livro vem sendo anunciada há muito tempo.

Se você aceitar que a paródia é a decomposição da literatura em estado avançado, e que “Dom Quixote” é um romance inaugural, então você pode dizer que essa conversa da morte do livro começou com Cervantes, há 400 anos.

Se resistiu à gozação de Cervantes, o livro resistirá a todos os impactos eletrônicos.

Se a paródia é a decomposição da literatura, e ‘Dom Quixote’ é romance inaugural, a conversa da morte do livro começou.

Enviado por Ana Cristina.

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